segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

E a palavra do Oscar 2012 foi: saudosismo


Ontem à noite a Academia de Cinema de Hollywood premiou as melhores produções e atuações de 2011 (e início de 2012), em uma festa que nitidamente possuía um clima saudosista. O saudosismo começou com a escolha do apresentador, Billy Cristal, peça carimbada nas cerimônias da década de 90, comandou pela nona vez a premiação. Na década de 90 ele chegou a apresentar quatro premiações seguidas, de 1990 a 1993. Mas o saudosismo não acabou por aí, com a exibição de cenas clássicas do cinema da década de 30-50 e a epresentação do Cirque du Soleil convidando o público para ir aos cinemas, fato cada vez menos comum hoje em dia, dada a facilidade de assistir aos filmes nos mais diversos aparelhos eletrônicos. A festa teve ainda a distribuição de pipoca por mulheres devidamente caracterizadas lembrando os tempos áureos do cinema. Tudo isso foi uma indicação do que estaria por vir na noite mais aguardada do cinema. 



Nomes de peso compareceram a festa, como Martin Scorsese, Steven Spielberg e Meryl Streep, mas a presença na platéia não foi garantia de premiação. Que o diga Woody Allen, vencedor do Melhor Roteiro Original por "Meia-Noite em Paris" (que era o meu palpite inicial) e que mais uma vez não estava presente na entrega do prêmio. Isso já era de certa forma esperado, dado que quando ele ganhou o Oscar de Melhor Diretor por "Noivo Neurótico, Noiva Nervosa" em 1978, preferiu ficar no bar com os amigos. "Meia-noite" tem um roteiro bastante interessante e também exalta o saudosismo dos tempos idos da bela Paris. O prêmio de Roteiro Adpatado foi para "Os Descendentes", o qual concorria com "A Invenção de Hugo Cabret" (o meu favorito para o prêmio) e "Cavalo de Guerra". "Os Descendentes" era considerado um dos favoritos ao prêmio de Melhor Filme e Ator logo após o anúncio dos indicados, mas como vimos, não se concretizou. George Clooney está muito bem no papel, com uma interpretação muito mais discreta do que exaltada. No entanto, achei que tanto Brad Pitt ("O homem que mudou o jogo") como Jean Dujardin ("O Artista") estavam melhores que Clooney. A história de "Os descendentes" não me convenceu. É um filme médio e que diz muito pouco quando acaba.  



Os prêmios de Atriz e Ator Coadjuvante não tiveram surpresas. Octavia Spencer ("Histórias Cruzadas") e Christopher Plummer ("Toda Forma de Amor") foram os grandes vencedores. Plummer se tornou o ator mais velho a ganhar um Oscar aos 82 anos e ainda fez um trocadilho com a idade do Oscar, 84 anos. Ainda não vi "Toda Forma de Amor", mas Octavia Spencer realmente roubou a cena em "Histórias Cruzadas" com a sua famosa torta de "chocolate". "Histórias Cruzadas", uma adaptação do best-seller "The Help" conta a história de servidão a que as empregadas domésticas negras eram submetidas no sul dos Estados Unidos na década de 60. Embora a história do filme seja de época, basta dar uma caminhada no Leblon ao final da tarde para ver que essa história ainda não terminou. Talvez não nos mesmos moldes apresentados no filme, mas a hierarquia racial ainda é uma realidade, infelizmente. O elenco, composto quase que exclusivamente por mulheres, está em perfeita sintonia e garante ótimas atuações. Vale a pena conferir. 

O iraniano "A Separação" confirmou o seu favoritismo e levou o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. O Brasil ficou de fora dessa categoria, mas estava indicado a Melhor Canção Original pelo filme "Rio" com a música "Real in Rio", composta por Carlinhos Brown e Sérgio Mendes. Competiu com "Man or Muppet", trilha de "Os Muppets" e infelizmente perdeu. Parece que na noite da tradição e do saudosismo não teve espaço para o balanço e a alegria do samba. Carlinhos Brown e Sergio Mendes sequer foram filmados durante a cerimônia. Realmente uma pena, a música de "Rio" é muito superior à dos "Muppets", mas a Academia preferiu premiar uma música sem graça com piano ao fundo. Só faltou ser jazz .... Além disso, nem "Rio" ou "As Aventuras de Tintin" foram indicados a Melhor Animação (um "esquecimento" lamentável). Ao invés disso, preferiu indicar filmes caça-níqueis como "Kung-Fu Panda 2" e "Gato de Botas". Mas felizmente, a minha decepção na 84ª Cerimônia do Oscar, acabou por aí. 



Em sua 17ª indicação, Meryl Streep finalmente levou a sua terceira (e merecida) estatueta para casa. Recorde de indicações entre os atores, Meryl foi aplaudida de pé quando subiu ao palco do Kodak Theater, um reconhecimento pela consistência e indiscutível credibilidade que ela dá a todos os papéis que desempenha, desde a mãe hippie de "Mamma Mia" até a mãe desesperada de "A escolha de Sofia". "A Dama de Ferro" é um filme médio, não se aprofunda em nenhum tema político da vida de Margareth Tatcher, mas logo na primeira cena em que Tatcher (Meryl) aparece já velhinha comprando uma caixa de leite no supermercado, sabemos que uma grande atuação está por vir. Meryl está praticamente irreconhecível com a maquiagem que a transformou em uma senhora senil (e que ganhou também o Oscar de Melhor Maquiagem). "A dama de ferro" vale a pena exclusivamente pela atuação de Meryl. Só uma atriz como ela é capaz de segurar um filme com uma história não tão interessante assim. 

Infelizmente, a repetição de vencedores parou por aqui. Martin Scorsese, indicado a Melhor Diretor por "A invenção de Hugo Cabret", não levou o seu segundo Oscar. Particularmente, gostaria que ele levasse mais uma vez. Scorsese possui um tipo de filme característico a que está acostumado a fazer, mas a sua performance em "Hugo" surpreende, você tem que se esforçar para lembrar que é um Scorsese. Para mim "Hugo" já é o melhor filme de 2012. Quando comecei a assistir, não dava nada por ele, mas ainda assim estava curioso para ver. Conforme a história se desenvolve, o filme nos cativa de uma tal maneira que é impossível não gostar dele. O filme também faz uma homenagem ao início do cinema em preto e branco, mostra qual foi o primeiro filme produzido (um trem chegando na estação) e como eram feitos os efeitos especiais - modificando a película quadro-a-quadro manualmente. O filme ganhou 5 dos 11 Oscars a que foi indicado, todos em categorias técnicas, incluindo Melhor Fotografia, Efeitos Visuais, Mixagem e Edição de Som e Direção de Arte, todos merecidíssimos. É incrível como Scorsese conseguiu aliar toda a tecnologia 3-D disponível atualmente para contar uma história simples e cativante que remonta aos primórdios do cinema-mudo. Realmente vale muito a pena assistir.

Falando em cinema mudo, o francês "O Artista" levou os principais prêmios da noite: Melhor Filme, Diretor (Michel Hazanavicius) e Ator (Jean Dujardin), além de Melhor Trilha Sonora. O filme é realmente muito bom, não somente porque relembra a beleza dos filmes em branco e branco, mas porque relembra que boas histórias e atuações independem de cor e efeitos especiais. Além disso, o filme dá a oportunidade aos mais jovens de se interessarem e buscarem filmes mais antigos, com menos explosões e mais conteúdo. É claro que esse tipo de filme ainda existe hoje em dia. Eles só não são tão badalados como no tempo de outrora, o que leva a uma meia duzia cult ignorar e detestar o Oscar. Claro que a premiação foi feita para os filmes americanos e que Holywood foi a base fundamental para homogeneizar o cinema mundial, mas mesmo assim ela foi capaz de contar belíssimas histórias e de popularizar uma arte tão bonita e rica como o cinema. 


A premiação de "O Artista" foi uma das que mais me agradou nos últimos  tempos, onde a Academia tem premiado filmes como "Guerra ao Terror" e "Onde os fracos não tem vez", com histórias não tão interessantes assim. No clima de saudosismo que a Academia transmitiu esse ano, o grande vencedor não poderia ser outro, embora para mim tanto "O Artista" como "A invenção de Hugo Cabret" mereciam os prêmios máximos. Ambos saíram com cinco estatuetas, embora o peso dos prêmios de "O Artista" seja maior, "Hugo" já é um clássico do cinema e mostra que Scorsese, assim como Spielberg, pode ser um camaleão do cinema. Aliás, Scorsese "imitou" um outro ícone do cinema, Alfred Hitchcock, ao aparecer rapidamente em uma cena de "Hugo". Ainda espero um dia ver ele ganhar o seu segundo Oscar. 



Jean Dujardin conseguiu o inimaginável: atuando em filme mudo em plena era tecnológica ganhou quase todos os principais prêmios do cinema mundial: Oscar, Globo de Ouro, Spirit Awards e o Festival de Cannes. Resta saber o que virá pela frente na carreira desse babalado ator francês. 

Em resumo, gostei bastante das premiações e das indicações, com exceção de alguns esquecidos como "Tintin", "Rio", Leonardo DiCaprio e Clint Eastwood. O clima saudosista indica que Hollywood não anda gostando muito das produções atuais, mas novos caminhos são possíveis. Basta Hollywood apostar em novos nomes e boas histórias. Mas também não há nenhum problema em relembrar o passado. Como disse o personagem de Owen Wilson em "Meia-noite em Paris": O passado não está morto. O passado não passou". Até a próxima.

Confira abaixo os vencedores da 84ª premiação do Oscar:

Melhor diretor: Michel Hazanavicius, "O Artista"
Melhor ator coadjuvante: Christopher Plummer, "Toda Forma de Amor"
Melhor atriz coadjuvante: Octavia Spencer, "Histórias Cruzadas"
Melhor roteiro adaptado: "Os Descendentes"
Melhor roteiro original: "Meia-noite em Paris"
Melhor animação: "Rango"
Melhor filme estrangeiro: "A Separação"
Melhor trilha sonora: "O Artista"
Melhor canção original: "Man or Muppet", de "Os Muppets"
Melhores efeitos visuais: "A Invenção de Hugo Cabret"
Melhor fotografia: "A Invenção de Hugo Cabret"
Melhor direção de arte: "A Invenção de Hugo Cabret"
Melhor figurino: "O Artista"
Melhor edição: "Os Homens que Não Amavam as Mulheres"
Melhor edição de som: "A Invenção de Hugo Cabret"
Melhor mixagem de som: "A Invenção de Hugo Cabret"
Melhor documentário: "Undefeated"
Melhor curta-metragem: "The Shore"
Melhor curta-metragem de animação: "The Fantastic Flying Books of Mr. Morris Lessmore"
Melhor documentário em curta-metragem: "Saving Face"

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